Estudo mostra que 63% dos estados não garantem em lei licença maternidade em contratos temporários no serviço público e apenas dois deles asseguram estabilidade à gestante

28/09/2025 às 18:21

  • Estudo reforça a necessidade de uma lei nacional para regulamentar a contratação de profissionais temporários, com direitos e deveres dos gestores e contratados;
  • De acordo com o levantamento, houve alta de 42% na contratação de temporários nos estados no período de 2017 a 2023; na União, o aumento foi de 10,6%. 
  • Jurisprudência do Superior Tribunal Federal (STF) indicou quatro vícios recorrentes nas contratações como causas para esse fenômeno

Setembro de 2025 – A ausência de um marco legal nacional tem levado ao uso indevido da contratação temporária no serviço público no Brasil e à falta de direitos fundamentais aos profissionais em tempo determinado. Das 27 unidades federativas brasileiras (estados e Distrito Federal), apenas 10 garantem licença-maternidade e 9 licença-paternidade, somente 2 asseguram estabilidade à gestante, 3 permitem licenças para tratamento por acidente de trabalho e 9 para tratamento de saúde, 4 oferecem auxílio-alimentação e 4 repouso semanal remunerado.

As informações constam da nota técnica do Movimento Pessoas à Frente, Dados e evidências para uma regulamentação nacional da contratação por tempo determinado, elaborada pelos pesquisadores Felipe Drumond, Myrelle Jacob e Laís Montgomery, e lançada nesta segunda-feira (29.09). Ainda sobre a ausência de direitos trabalhistas, o levantamento mostrou que 21 estados garantem férias remuneradas, enquanto 20 asseguram 13º salário.

A nota técnica também analisou a questão salarial, que apresentou diferenças entre os estados. Ao todo, há 19 modelos remuneratórios para temporários e, em muitos casos, não possuem referência obrigatória à remuneração de cargos efetivos equivalentes, o que gera disparidades e pode levar a remunerações abaixo do cargo correspondente.

Outro ponto sensível está ligado à possibilidade de renovações frequentes ou indefinidas. Neste caso, há sete estados com prazos indeterminados e oito com prazo único, gerando, assim, insegurança jurídica para o contratante e para o contratado. A nota técnica identificou, ainda, a ausência da necessidade de cumprir quarentena na maior parte dos estados. Ou seja, em muitos deles, não há um intervalo mínimo entre contratos, o que perpetua vínculos temporários. Apenas 9 estados têm impedimentos à recontratação sucessiva.

Para Jessika Moreira, uma série de fatores ajuda a explicar esse cenário, em especial, a falta de uma lei específica de caráter nacional que regulamente a contratação de trabalhadores temporários.

“A ausência de um marco legal nacional, somada à diversidade normativa subnacional e ao uso indevido desse mecanismo comprometem a constitucionalidade da contratação de trabalhadores temporários. O resultado é uma constante insegurança jurídica por parte dos gestores, a precarização de vínculos e do trabalho, e a fragilidade na prestação de serviços essenciais, como a educação e a saúde”, destaca Moreira, lembrando que o setor de educação é o que mais concentra a contratação de trabalhadores por tempo determinado.

O levantamento mostrou que em 17 unidades federativas são comuns as recontratações sucessivas dos temporários, e que 43,6% dos docentes ficam mais de 11 anos nestas condições.

Aumentou 42% contratação de temporários em seis anos

A nota técnica aponta também que, apesar de ser uma exceção constitucional a contratação no serviço público por tempo determinado, houve aumento de 42,1% no número de profissionais neste regime nos estados e de 10,6% na União, no período de 2017 a 2023.

Ao todo, 21 dos 26 estados tiveram aumento nas contratações temporárias, com exceções de Ceará, Rio Grande do Norte, Amazonas, Minas Gerais e Paraná. Ao mesmo tempo, houve uma redução de 11,8% no número de profissionais contratados em regime de caráter efetivo (fixo), considerando-se o Governo Federal e os entes subnacionais.

Para além da defesa dos direitos desses trabalhadores, e da necessária redução da judicialização, outra reflexão que o levantamento traz é sobre a necessidade de equilíbrio entre o uso da mão de obra temporária e a de servidores permanentes. Isto é, o urgente e importante planejamento da força de trabalho. Essas informações evidenciam uma prática que gera insegurança jurídica e impacta nos direitos desses profissionais.

“É preciso equilíbrio. O trabalhador temporário é necessário em diversas situações, como emergências e catástrofes, para a manutenção e qualidade das políticas públicas sociais e para atender necessidades como uma grande obra que tem começo, meio e fim. Isso não quer dizer que esse tipo de contratação deve ser usado de forma indiscriminada ou precarizada. O servidor efetivo garante estabilidade e continuidade da política pública no longo prazo”, explica Moreira.

Insegurança jurídica e decisões colegiadas

Diante desse cenário, existem espaços para uma judicialização recorrente, o que causa insegurança jurídica para gestores e trabalhadores. Cláusulas vagas e prazos indeterminados têm levado à nulidade de contratos e ao pagamento de passivos. No Superior Tribunal Federal (STF), foram identificadas e analisadas 52 decisões colegiadas sobre o tema no período de seis anos (2017-2023).

O estudo identificou os principais vícios recorrentes, de acordo com jurisprudência do Superior Tribunal Federal (STF), que favorecem a inconstitucionalidade de normas federais, estaduais e distritais, no que se refere às contratações por tempo determinado.

Diante desse contexto, o levantamento classifica esses vícios em quatro categorias: (i) vício material por cláusulas genéricas: a partir do uso de expressões vagas como “necessidade do serviço” ou “interesse público”, é reiteradamente invalidado pela Corte; (ii) utilização do vínculo para funções específicas: o STF tem vedado contratações temporárias para cargos típicos de Estado (policiais, defensores, fiscais etc.); (iii) ausência de prazo certo ou prorrogação ilimitada: normas que permitam prazos indeterminados ou renovações sucessivas são consideradas inconstitucionais; (iv) vícios formais: incluem usurpação de competência do Executivo e ausência de estimativa de impacto orçamentário. 

Regulamentação nacional é urgente

Para Jessika Moreira, a definição de uma regulação específica trará inúmeros benefícios para a União, para os estados e para os trabalhadores. “É urgente a criação de uma regulação nacional para os trabalhadores temporários. Defendemos a criação de uma legislação para que o Brasil possa ter mais segurança jurídica para gestores públicos e contratados, preservando as funções para as quais não cabe a contratação temporária, além de proteger direitos fundamentais para esses trabalhadores. Isso contribuiria, ainda, para a diminuição da judicialização e dos passivos trabalhistas, além da possibilidade de ter dados públicos e confiáveis para o controle social e para a formulação de políticas públicas”, diz ela.

A reforma administrativa, cuja proposta está em andamento na Câmara dos Deputados, deverá abordar esse tema, conforme afirmou o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), relator do projeto. Além disso, o Movimento Pessoas à Frente elaborou um anteprojeto de Lei Geral de Contratação por Tempo Determinado no Setor Público, que sugere a criação de uma Lei Geral Nacional, com regras mínimas obrigatórias para União, estados e municípios, e estabelece critérios para contratação temporária, como prazo certo, excepcionalidade e necessidade transitória. A lei garantiria, ainda, direitos mínimos como licença-maternidade, adicional de férias e transparência na seleção dos profissionais. Por fim, o texto propõe a criação do Portal Nacional de Contratações Temporárias (PNTD), com o objetivo de promover transparência, controle e acesso público aos dados. Após a entrega do documento ao Gabinete Compartilhado, o projeto foi protocolado no Senado Federal (PL 3.086/2025) e na Câmara dos Deputados (PL 3.069/2025).