O Comitê de Experts em Administração Pública da ONU e seu papel no alcance dos ODS

25/07/2022 às 11:25

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram acordados, em reunião dos chefes de Estado e altos representantes da ONU, em setembro de 2015. Eles marcam uma agenda de longo prazo, que busca indicar caminhos e especificar prioridades, capacidades e resultados a serem alcançados em escala global. Os ODS são muito importantes para a perspectiva de cada país, porque permitem a coerência de políticas públicas em torno de uma agenda comum e representam uma oportunidade de alinhar capacidades de execução e coordenação em políticas públicas. Entretanto, o comprometimento de cada país membro com os ODS, incluindo Brasil, é ainda um processo em construção e o conhecimento e a disseminação dos resultados do trabalho do Comitê de Experts em Administração Pública das Nações Unidas (CEPA/ONU) pode ajudar nesta direção.

O CEPA é um colegiado de assessoramento do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da ONU, e atua na promoção e no desenvolvimento da administração pública e governança dos Estados Membros, particularmente tendo em vista a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável e sua implementação. Os 24 membros do CEPA, entre os quais me encontro, elaboram uma série de estudos e diretrizes sobre temas de administração pública que refletem sobre a implementação de objetivos de desenvolvimento acordados internacionalmente, incluindo os ODS, e também encaminha recomendações ao ECOSOC sobre aspectos de gestão pública e governança de forma mais ampla, tais como o foco no capital humano, a governança participativa, a construção de capacidades em países em conflito e situação de crise, inovação em administração pública, governo digital entre tantos outros temas relevantes para a agenda de gestão pública e governança.

Entre as principais contribuições do CEPA destaco os princípios de governança efetiva para o desenvolvimento sustentável, que buscam balizar a construção de instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis, no contexto da Agenda 2030. Os princípios alinham aspectos como competência e profissionalização, tomada de decisão baseada em evidências, transparência e papéis de instituições independentes de controle, ao lado de outros, nem tanto institucionalizados nas boas práticas do setor público brasileiro, que refletem os desafios de uma gestão pública inclusiva, orientada pelos princípios de “não deixar ninguém para trás”; não-discriminação; participação; subsidiariedade e equidade intergeracional. 

O foco nas pessoas no setor público permeia o trabalho do CEPA e é objeto de um dos grupos de trabalho do Comitê, o qual liderei este ano. Desde a Agenda 21, se reconhece que as pessoas e, mais especificamente, as pessoas no setor público, são parte essencial de qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável. Dados do Banco Mundial indicam que os recursos humanos no setor público representam cerca de 32% do emprego remunerado no mundo e, pela sua representatividade, esta força de trabalho precisa se tornar um benchmark do desenvolvimento humano, inspirando melhores práticas de desenvolvimento de pessoas na sociedade.

Na sua última reunião, em abril de 2022, o CEPA observou os riscos decorrentes da polarização partidária, populismo autoritário e da “infodemia” na crescente desconexão das pessoas e seus governos. Destacou que a pandemia testou severamente as lideranças políticas, os arranjos institucionais locais, nacionais e globais e a confiança social nos governos e na força de trabalho, mais especificamente, no setor público. Por estas razões, working paper do CEPA focou nas dimensões de capacidade e de legitimidade da força de trabalho no setor público. A capacidade embarca uma série de estratégias para desenvolver recursos humanos resilientes e mecanismos de governança mais robustos, chaves para superar crises cada vez mais recorrentes, sem perder de vista os objetivos do milênio. O trabalho aponta que programas de ajustes estruturais e estratégias inspiradas na Nova Gestão Pública orientadas por recortes fiscais tiveram efeitos deletérios em vários países do mundo, principalmente para as capacidades estatais na área de saúde pública. Entretanto, um processo rico de aprendizagem emergiu na gestão da pandemia, inclusive em países em desenvolvimento, indicando novas capacidades e competências de recursos humanos mais responsivos, robustos e resilientes, indispensáveis para o alcance dos ODS. Paralelamente, crises, como a da pandemia, aguçam a necessidade de enfrentar vulnerabilidades sociais e superar a desigualdade nas suas múltiplas dimensões (gênero, raça, idade, entre outros), inclusive dentro do setor público. Crises ativam a dimensão da legitimidade, porque demandam o resgate da relação de confiança entre o governo e o setor público. Resgatar estas relações de confiança é uma tarefa complexa que depende da qualidade das experiências dos cidadãos com as instituições públicas. O servidor público é o ponto focal destas experiências. O relatório reconhece a importância de resgatar estratégias orientadas pela busca de equidade: reconhecimento e enfrentamento de práticas discriminatórias; diminuição das barreiras administrativas que impõem maiores custos para as populações mais vulneráveis e diminuição das desigualdades dentro do próprio setor público são algumas das estratégias discutidas no decorrer da reunião do CEPA.

Esta agenda é relevante para o país e demanda a consolidação de uma rede de colaboração entre instituições públicas, privadas ou sem fins lucrativos, atores que compactuam com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e que pensam em estratégias que alinhem as políticas públicas e as práticas do setor público em torno desta agenda comum. No Brasil, por exemplo, o Movimento Pessoas à Frente, movimento da sociedade civil dedicado ao debate e à construção da melhoria do Estado, tem contribuído para esta agenda desde 2020, ao articular diversos atores como sindicatos, fundações, especialistas, na construção de propostas para a gestão de pessoas no serviço público.

*Alketa Peci é professora da EBAPE/FGV, membro da CEPA/ONU e integrante do Movimento Pessoas à Frente