Custo dos supersalários de magistrados aumentou 49,3% em 2024 em relação ao ano anterior, aponta estudo inédito do Movimento Pessoas à Frente

30/06/2025 às 23:35

Uma pesquisa realizada pelo Movimento Pessoas à Frente em parceria com o pesquisador Bruno Carazza sobre o impacto dos chamados “supersalários” no serviço público federal mostrou que as despesas acima do teto constitucional com magistrados cresceram 49,3% somente em um ano, muito acima da inflação no mesmo período, que foi de 4,83% (IPCA).

A pesquisa “A corrida além do teto: Supersalários, verbas indenizatórias e a necessidade de resgate da autoridade constitucional” mostra que o valor passou de R$7 bilhões em 2023 para R$10,5 bilhões em 2024, considerando-se apenas magistrados.

O estudo inicialmente avaliaria também os dados relacionados aos supersalários no Ministério Público, porém o comparativo foi inviabilizado por conta da indisponibilidade e da baixa qualidade dos dados públicos referentes ao órgão.

Comparativo do impacto dos pagamentos extrateto para o Judiciário entre 2023 e 2024:

Fontes: dados disponibilizados por Bruno Carazza, provenientes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

* Dados referentes a todos os tribunais do País, exceto TJ-PI.

**Dados referentes a todos os tribunais do País, exceto TJPR (agosto), TRF3 (fevereiro, abril e setembro) e TRF6 (dezembro), TRT10 (outubro), TREAM (janeiro), TRECE (maio), CNJ (agosto), TJMSP (agosto), TREAL (agosto), TREAP (agosto), TREPB (agosto), TRERR (maio e agosto) e TSE (dezembro)

Outro dado alarmante mostra que há um crescimento exponencial nos rendimentos líquidos médios dos magistrados, impulsionado por adicionais, principalmente verbas indenizatórias. Isso ocorre porque a diferença da variação entre o subsídio dos magistrados (em verde no gráfico abaixo) e o rendimento líquido médio (em vermelho) se deu de tal forma que, a partir de setembro de 2022, este último ultrapassasse o próprio teto constitucional.

Fonte: Elaborado a partir dos dados disponibilizados por Bruno Carazza, provenientes do Conselho Nacional de Justiça.

Somente entre 2023 e 2024 houve um aumento de 21,95% no rendimento líquido dos magistrados, que passou de R$45.050,50 para R$54.941,80. O crescimento se manteve contínuo nos primeiros meses de 2025 e chegou ao valor máximo em fevereiro de 2025, quando alcançou R$66.431,76. 

Os aumentos foram potencializados e cresceram em uma velocidade acima da média por conta de auxílios e benefícios, entre eles os chamados “penduricalhos”, que são os pagamentos de feitos aos profissionais do setor público por meio de verbas indenizatórias classificadas de forma indevida. Desta forma, é possível ultrapassar o teto constitucional, que atualmente é de R$46.366,19, e deixar de pagar obrigações como o Imposto de Renda. 

Ainda de acordo com o estudo, os subsídios recebidos pelos magistrados já representam mais de 43,67% dos rendimentos líquidos recebidos. Ou seja, em breve mais da metade do que os magistrados recebem deve vir de adicionais salariais. O gráfico abaixo mostra como os pagamentos adicionais vêm crescendo de forma muito rápida.

Fonte: Elaborado a partir dos dados disponibilizados por Bruno Carazza, provenientes do Conselho Nacional de Justiça.

De acordo com Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, os supersalários são um desafio institucional que vêm prejudicando o Brasil há muitos anos. “Desde a Constituição Federal de 1988 o país tenta estabelecer limites máximos para a remuneração no setor público brasileiro. Ao longo desses quase 40 anos, foram realizadas quatro tentativas por meio de leis, porém sem sucesso.” 

Não podemos esperar mais 40 anos para finalmente resolver esse desafio estrutural dos supersalários no Brasil. Se considerarmos o aumento que foi identificado entre 2023 e 2024, de 49,3%, em apenas dois anos, esse valor terá dobrado”, destaca Moreira.

Recomendações para combater os supersalários

De acordo com o Movimento Pessoas à Frente, para mudar esse cenário a Reforma Administrativa, que está atualmente sendo debatida no Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados coordenado pelo deputado federal Pedro Paulo (PSD – RJ), deverá contemplar o combate aos supersalários. “Os dados do estudo reforçam que mais uma vez o Brasil se depara com uma corrida para além do teto, talvez a mais acirrada e mais bem estruturada na trajetória recente de nossa democracia. Precisamos de uma solução efetiva para o fenômeno dos penduricalhos, geradores de supersalários para uma pequena parcela dos servidores públicos brasileiros” explica Jessika Moreira.

Segundo a diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, o caminho para resolver esse grande desafio está pavimentado a partir do diagnóstico já consensual no debate público: “é preciso frear o uso da classificação indevidamente realizada como indenizatória de adicionais aos salários dessa pequena parcela de servidores, que corresponde a somente 0,06% de todo o funcionalismo público”, conclui. 

Além disso, o Movimento Pessoas à Frente estabeleceu pontos essenciais para uma regulamentação que combata os supersalários, em uma coalizão com 10 organizações da sociedade civil que estão alinhadas na defesa da autoridade do teto constitucional como pilar fundamental de uma política remuneratória mais justa no setor público, que acabe com privilégios, diminua desigualdades e promova mais efetividade no Estado brasileiro. A coalizão é formada, além do Movimento Pessoas à Frente, pela Fundação Tide Setúbal, Transparência Brasil, Plataforma Justa, Instituto Democracia e Sustentabilidade, Movimento Brasil Competitivo, Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, República.org, Associação Livres e Centro de Liderança Pública. 

O Projeto de Lei 2.721/2021, atualmente em tramitação no Senado Federal, caso venha a ser aprovado, legitimaria os penduricalhos. Para mudar esse cenário, a coalizão compilou no Manifesto pelo Fim dos Supersalários, as nove medidas consideradas indispensáveis para uma proposta legislativa que possa, de fato, combater os supersalários:

  1. Uma proposição legislativa deve classificar, de maneira adequada, em verbas remuneratórias e indenizatórias todos os adicionais eventualmente recebidos.
  2. Para as verbas indenizatórias, cujo ordenamento jurídico permite que ultrapassem o teto, é essencial que a classificação atenda a três critérios básicos:
    a. devem ter natureza reparatória, ressarcindo o servidor de despesas incorridas no exercício da função pública;
    b. devem ter caráter eventual e transitório, não sendo incorporada em bases mensais, devendo possuir um horizonte temporal limitado, e requerendo análise caso a caso;
    c. devem ser expressamente criadas em lei, não podendo ser instituídas por ato administrativo.
  3. Aplicação correta das hipóteses de incidência de imposto de renda de pessoa física, reduzindo a elisão fiscal e aumentando a arrecadação federal.
  4. O estabelecimento de mecanismos robustos de governança e transparência, ativa e passiva, sobre a remuneração no serviço público.
  5. A necessidade de lei aprovada no Congresso Nacional para a criação e gestão de qualquer adicional ao salário, seja remuneratório ou indenizatório.
  6. A extinção das verbas indevidamente classificadas como indenizatórias e sua automática transformação em remuneratórias.
  7. A vedação da vinculação remuneratória automática entre subsídios de agentes públicos, congelando o atual efeito cascata.
  8. O enquadramento da autorização de pagamento de verbas remuneratórias acima do teto, sem amparo legislativo expresso, como improbidade administrativa.
  9. A criação de um mecanismo de barreira, com critérios razoáveis e transparentes, para o pagamento de verbas retroativas, incluindo um limite temporal, para não permitir pagamentos retroativos a longos períodos.

Além disso,  o estudo traz como recomendação um outro aspecto essencial para o combate a privilégios no setor público: a necessidade de vedar a concessão de benefícios, também em sua maioria concentrados no sistema de justiça. São eles: férias de 60 dias concedidas e muitas vezes transformadas em pecúnia, dada a sua extensão; adicionais e licenças referentes a tempo de serviço; aposentadoria compulsória como modalidade de punição, que preserva os rendimentos e adicionais ao punido; e ainda outras como gratificações por exercício cumulativo de ofícios.