Como aumentar a diversidade no setor público?

17/08/2022 às 12:11

Levantamento da Sociedade Brasileira de Direito Público traça panorama atual e elenca propostas para o aprimoramento da promoção da diversidade

No Brasil, 56% das pessoas se declaram negras. Diante desse fato, seria plausível encontrar uma proporção semelhante em ambientes de trabalho, por exemplo. Mas as desigualdades sociais no país são marcantes. No Executivo federal, apenas 35% dos servidores se declaram pretos ou pardos. A desproporção se acentua em cargos de direção, com 65% dos postos de nível superior ocupados por brancos. O índice é ainda pior em algumas carreiras, como a de procurador federal, com 80% de pessoas brancas.

Quando lançamos uma lente sobre as lideranças, a falta de diversidade também está presente na distribuição por gênero. As mulheres ocupam a maioria dos postos de trabalho do Executivo e do Judiciário federais, e 46% das posições do Legislativo federal. No entanto, ainda estão sub-representadas em cargos de lideranças, ocupando somente 30% das funções comissionadas da administração federal.

Como mudar esse cenário? O que fazer para promover a diversidade no setor público? Quais são as ferramentas existentes e quais são as propostas para melhorar a situação? Partindo desse questionamento, a pedido do Movimento Pessoas à Frente, o Núcleo de Inovação da Função Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público (sbdp) desenvolveu uma pesquisa para mapear e analisar o que a legislação prevê nas esferas federal e estadual no âmbito da promoção da diversidade no setor público. O levantamento, que abrange normas editadas até novembro de 2021, traz radiografia jurídica da promoção da diversidade no setor público por meio da reserva de vagas em processos seletivos; aponta outros mecanismos existentes de promoção da diversidade; e ainda traz propostas de aprimoramento.

Reserva de vagas

A primeira parte do estudo mapeou as normas relativas à promoção da diversidade no processo de seleção de pessoas no setor público. Nesse contexto, o primeiro ponto de discussão é a questão da reserva de vagas para pessoas com deficiência. A pesquisa menciona que, no âmbito federal, o Estatuto do Funcionalismo Público prevê que “às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% das vagas oferecidas no concurso”.

Já na esfera estadual, o estudo aponta que 24 estados apresentam normas reservando vagas para pessoas com deficiência em processos seletivos. Mas as cotas variam de um estado para o outro. No Acre, por exemplo, a norma reserva, no mínimo, 5% das vagas do concurso público. No Distrito Federal, esse índice é de 20%. O levamento destaca ainda que no Maranhão, Rio Grande do Norte e Sergipe não foram identificadas normas prevendo percentual de reserva de vagas para pessoas com deficiência.

O estudo do Núcleo de Inovação da Função Pública – sbdp também aborda a reserva de vagas para negros e indígenas e ressalta que a Constituição Federal não traz uma norma expressa prevendo a reserva de vagas em concursos públicos com base em critérios étnico-raciais. O Estatuto da Igualdade Racial menciona “garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”. No entanto, não prevê reserva de vagas em processos seletivos com base em critérios étnico-raciais.

Na esfera federal, o tema foi direcionado pela Lei 12.990/2014, que “reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal”. Já no cenário estadual, o estudo mostra que Pernambuco, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul reservam vagas para negros e indígenas em processos de seleção do setor público. Outros sete estados (MT, BA, PR, MA, SE, CE e DF) contam com normas reservando vagas em processos seletivos apenas para negros. Nos 16 estados restantes, o levantamento não identificou normas com reserva de vagas com base em critérios étnico-raciais.

Outro fator abordado pela pesquisa é a promoção da diversidade em cargos de liderança. Nesta questão, o levantamento mostra que até o momento nada foi implementado, embora algumas tentativas já tenham sido realizadas nas esferas federal e estadual.

Outras formas de promoção da diversidade

Na segunda parte, o levantamento mostra outras formas de promover a diversidade, como a acessibilidade no local de trabalho, o uso de nome social e a igualdade de direitos funcionais. A pesquisa menciona exemplos como o de Santa Catarina, onde já existe uma norma prevendo que “fica assegurada a possibilidade de uso do nome social às pessoas transexuais ou travestis usuárias dos serviços prestados por quaisquer órgãos ou entidades da Administração Pública Estadual Direta, Autárquica e Fundacional, bem como aos servidores públicos, estagiários e trabalhadores terceirizados”. Destaque também para o caso do estado do Rio de Janeiro, que editou uma lei estendendo a parceiros homoafetivos o direito à pensão por morte de membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Tribunal de Contas e dos servidores públicos estatutários.

Propostas

O estudo do Núcleo de Inovação da Função Pública – sbdp, a partir da análise do panorama normativo, elenca seis aspectos jurídicos relevantes para as medidas de promoção da diversidade no setor público:

  1. Ampliar a edição de normas prevendo reserva de vagas. Enquanto 25 estados já contam com normas prevendo reserva de vagas para pessoas com deficiência, apenas 11 apresentam legislação prevendo cotas para negros;
  2. Aprimorar o cálculo da quantidade de vagas reservadas. No caso da reserva de vagas para negros em concursos públicos, o maior percentual identificado foi de 30%, enquanto o menor, 10%;
  3. Promover a diversidade nos cargos de liderança. A baixa representatividade de negros e mulheres é preocupante. Embora no âmbito federal já exista uma norma prevendo a reserva de vagas em cargos de liderança, ela não tem sido efetivamente aplicada;
  4. Modernizar a verificação do direito à reserva de vagas. A maior parte das normas vigentes sobre reserva de vagas para negros prevê análise documental, forma de verificação mais antiga. As normas mais recentes têm estabelecido dinâmicas diferentes;
  5. Promover a abrangência da reserva de vagas. O estudo mostrou uma expansão ainda incipiente da reserva de vagas para os diversos tipos de processos seletivos, com concentração nos concursos públicos;
  6. Diversificar os instrumentos de promoção da diversidade. A pesquisa conclui que o principal instrumento de promoção da diversidade utilizado é a reserva de vagas em processos seletivos. Mas outras formas de promoção têm sido adotadas e essa diversificação tem se mostrado necessária. Assim, a promoção de diversidade por outros mecanismos, como o combate a discriminações institucionais, é necessária para que as atuais estratégias sejam mais efetivas.