Boas práticas internacionais para uma liderança de alto impacto no serviço público

07/07/2022 às 09:47

Como transformar a gestão pública? A pergunta que abre o documento de propostas para uma Política Nacional de Lideranças em Governos, lançado pelo Movimento Pessoas à Frente, leva a muitas reflexões. “A liderança é o pilar fundamental para promover transformações efetivas e fazer com que organizações públicas consigam entregar valor público em um mundo complexo e imprevisível”, destaca Diogo Costa, presidente da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e coordenador do GT de Lideranças do Movimento logo na carta de apresentação.

O material é resultado de um extenso e profundo processo realizado por um grupo de especialistas de diversos setores: parlamentares, sindicatos, órgãos de controle, organizações do terceiro setor, academia e representantes dos governos federal e estadual que, juntos, elaboraram propostas concretas para o tema de lideranças. Para a elaboração do documento, o grupo de especialistas buscou uma série de cases de boas práticas implementadas na administração pública de outros países.

No Canadá, as lideranças devem assinar um termo referente ao seu desempenho, com compromissos relacionados às estratégias e prioridades tanto de sua organização quanto do governo de maneira geral. Ao final do período, o líder é avaliado com base nos resultados pactuados no termo de compromisso.

O Chile estipula a mesma obrigatoriedade de formalização de um termo de compromisso para as lideranças. A Dirección Nacional del Servicio Civil (DNSC) é a estrutura responsável por prover conselhos e orientações para que as lideranças preencham adequadamente seus termos de compromisso de desempenho. Como um dos incentivos, há o Prêmio Anual por Excelência Institucional, que contempla os três departamentos do Estado que tiveram melhores níveis de gestão, alcance de metas, eficiência e qualidade na prestação dos serviços.

No Uruguai, os gestores não perdem seus cargos caso não alcancem o desempenho projetado para o ano, mas podem ser rebaixados para o nível anterior da carreira. A supervisão do alcance dos compromissos é feita pelo ministro ou outra autoridade superior ao líder em questão.

Segundo Diogo Costa, as boas práticas internacionais nos mostram os benefícios de um sistema integrado de altas lideranças, que regule os incentivos do serviço público em prol do cidadão. “Sob um sistema de altas lideranças, o progresso do servidor está intimamente ligado ao seu desenvolvimento profissional e à sua performance – avaliação do seu desempenho ao longo de sua carreira”, destaca.

Outro exemplo vem da Bélgica, onde a recompensa pelo cumprimento de metas não está vinculada ao pagamento, mas a benefícios não monetários como folgas estendidas.

Hard skills e soft skills

Nos últimos anos, o debate sobre as hard e as soft skills ganhou espaço nas conversas sobre desenvolvimento de lideranças. As hard skills são os conhecimentos técnicos, que podem ser adquiridos a partir da leitura de livros, em cursos universitários, especializações, comprovados por diplomas e auferidos a partir de testes e provas. Já as soft skills, são as habilidades comportamentais de cada pessoa. Elas não são adquiridas de forma automática e a pessoa precisa de prática até que possa considerar que determinado comportamento seja observado dentro do seu conjunto de competências.

Com isso, o material também apresenta exemplos que mostram a importância da fundamentação da Política de Desenvolvimento de lideranças. A Bélgica tem o Institut de Formation de l’Administration Fédérale que, dentre as suas funções, criou uma sistemática para que gestores e funcionários públicos de nível sênior possam compartilhar entre si experiências, lições e práticas recomendadas.

O Reino Unido, por exemplo, tem programas para lideranças e funcionários seniores com foco na capacitação para assumir posições mais altas no futuro. O Senior Leaders Scheme provê uma formação de dois anos com diversas temáticas vinculadas à liderança e conta com mentoria e acompanhamento de um secretário permanente.

A Irlanda e a Estônia (por meio do Newton Programme) fornecem uma estrutura para que as lideranças de alto nível possam promover o relacionamento entre elas, envolvendo troca de experiências, construção de soluções para problemas existentes, entre outros. O objetivo é criar coordenação e colaboração entre as diferentes lideranças governamentais. Especificamente com relação ao Newton Programme, há o enfoque em lideranças de nível intermediário que são designadas como futuros líderes de grande potencial. Tais lideranças passam por uma capacitação de nove meses com o objetivo de desenvolver competências fundamentais aos cargos de liderança.

Governança

O Chile conta com o Sistema de Alta Direção Pública (SADP), instituído pela Direção Nacional de Serviço Civil (DNSC), e tem por finalidade modernizar o Estado Chileno por meio de ações voltadas ao aumento da governabilidade, responsabilização e transparência na ocupação de altos dirigentes do país. A mesma lei que criou o SADP também instituiu o Conselho de Alta Direção Pública (SADP), uma instituição autônoma cujo papel é administrar o sistema. 

Com o objetivo de estimular a meritocracia nos processos de seleção e integração de lideranças no setor público, Portugal criou a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP), que implementou procedimentos concursais isentos e autônomos do Governo. A CReSAP é uma agência independente, no sentido de que não pode solicitar ou receber instruções do Governo ou de outros entes públicos ou privados em relação às suas competências.

O governo belga, por meio do Plano de Reforma de Copernicus, modernizou a força de trabalho, reformando a estrutura do serviço público e da gestão do seu nível sênior, valorizando competências de gestão e de liderança. A referida reforma introduziu três entidades ao modelo de gestão de pessoas: o novo departamento central, o novo departamento central de recrutamento e seleção, e o departamento de seleção do ministério de gestão de pessoas.

O modelo de governança adotado por Singapura é ligado ao departamento centralizado de gestão de pessoas, o qual possui três frentes principais: transformação do setor público, gestão e desenvolvimento da força de trabalho e grupo corporativo. Na mesma linha, o departamento de recursos humanos do serviço público (Civil Service Human Resources – CSHR) do Reino Unido é um órgão central responsável por recrutar, reter, promover a diversidade e inclusão, bem como desenvolver planos de carreira e lideranças na área de recursos humanos.

Em diferentes países, departamentos centralizados de gestão de pessoas foram criados ou fortalecidos no intuito de lidar de forma mais eficiente com aspectos do pipeline de talentos, incluindo a formalização de programas de lideranças. Esses departamentos ou comissões são ligados a núcleos de governos para o monitoramento da implementação de políticas de gestão de pessoas. Os países possuem departamentos centralizados que criam normas voltadas a estipular fases de processos seletivos, realizar ou monitorar avaliações de desempenho, incentivar atividades de engajamento, oferecer ações educacionais, fiscalizar avaliações para promoção e dirigir programas de liderança.

Nesses modelos de governança, os departamentos de gestão de pessoas possuem poder hierárquico e autonomia garantidos por lei para alterar as práticas das funções que lhe são conferidas. As experiências internacionais, em termos de governança, evidenciam a importância de existir um departamento de gestão de pessoas com funções centralizadas para incrementar a eficiência na gestão do setor público.