A Nova Lei de Improbidade Administrativa já pegou?

25/07/2022 às 11:31

Passados pouco mais de seis meses da aprovação da Nova Lei de Improbidade Administrativa (LIA), já é possível avaliar seus efeitos? A mudança promovida na lei contribuiu para dar mais segurança jurídica ao gestor público?

Vale lembrar que a nova legislação trouxe avanços importantes. Um deles é a redução da subjetividade dos Ministérios Públicos e do Poder Judiciário em relação aos atos de improbidade (ao acusar e ao julgar, respectivamente). Agora está claro na lei que cabe às autoridades acusatórias provarem o dolo – a intenção do gestor em praticar a ilegalidade ou qualquer outra conduta contrária aos princípios básicos da administração. Isso garante que só a ilegalidade gravíssima seja qualificável como improbidade. O agente público ou o particular que, em virtude de mera interpretação equivocada da lei, pratica ato inválido, mas o faz com a convicção de estar dando fiel cumprimento à regra de competência, evidentemente não pratica ato de improbidade. É ímprobo quem viola as normas de modo desonesto, intencional.

Na sua versão original de 1992, a LIA permitia que suas sanções fossem aplicadas com base em presunções, por meras desconformidades normativas ou mesmo pelo fato de o agente não ter se comportado como os acusadores e julgadores, a partir de percepções muito subjetivas, desejavam. A consequência deste modelo original da LIA foi pouco eficaz no atingimento de seus fins – responsabilizar o gestor desonesto. Muitas acusações e ações propostas destruíram reputações, prejudicaram a condução de políticas públicas e a própria gestão pública, ao afastar bons profissionais e contribuir para consolidar o chamado “apagão das canetas”, nome caricatural para quando o gestor tem medo de decidir.

Exemplos públicos pelos relatos da mídia não faltam. Sérgio Avelleda, que foi presidente do Metrô de São Paulo, diante de denúncia publicada em jornal de que teria havido conluio na licitação decidiu manter os contratos da Linha 5 (lilás) do Metrô para não paralisar a obra e proteger o interesse coletivo. Ele, que não foi o responsável pela licitação, tomou a decisão apoiado em processo administrativo interno, nos órgãos técnicos e deliberativos da empresa, na Procuradoria do Estado e no Governador do Estado. Acabou sendo réu em ação de improbidade e, mais tarde, absolvido pela Justiça.

Outro caso público: o ex-diretor presidente do DERSA (Departamento de Estradas e Rodagens do Estado de São Paulo), Laurence Casagrande Lourenço, que chegou a ficar preso alguns dias, foi alvo de denúncia baseada apenas em relatório técnico do TCU e não em uma conclusão da corte de contas. O documento apontava que durante a construção do Rodoanel Norte existia um conflito provocado por solicitações de pagamentos adicionais por parte da empresa contratada pela DERSA. A terceirizada alegava custos maiores por causa de grandes rochas detectadas em número superior ao previsto no contrato. Mesmo em meio à controvérsia, os pagamentos foram autorizados, com a previsão de que poderiam ser devolvidos ao final da disputa se o entendimento fosse contrário a eles. A denúncia ocorreu fundamentada no relatório, sem que houvesse determinação do TCU de suspensão dos pagamentos ou paralisação da obra e ainda sem acusação de dolo ou de benefício auferido por Lourenço.

O que se espera é que casos assim não se repitam. Vamos torcer para que a lei pegue.

É muito importante termos método para acompanhar, coletar dados e avaliar a evolução da aplicação da LIA. Com isso, teremos um bom indicador para melhorar a segurança jurídica de servidores e evitar o enfraquecimento da função típica da gestão pública pelo desaparecimento dos bons gestores.

Por enquanto, o que temos ainda é resultado de um movimento que valoriza mais a agenda anticorrupção do que bons servidores. O medo de decidir ainda existe. Um claro indício disso é que tem se tornado comum que membros de órgãos de controle interno e externo sejam nomeados para funções de liderança da gestão pública. Num dos casos mais recentes, Vitor Godoy, originalmente da CGU, foi efetivado ministro da Educação. Não cabe aqui julgar a sua competência técnica para a área, mas chama a atenção o preenchimento de cargos de liderança na gestão com quadros das carreiras de controle. O fato sugere a adoção da estratégia de aproximar controle e tomada de decisão e, assim, diminuir os riscos da responsabilização. Na prática, porém, esse movimento poderá, no futuro, inibir iniciativas inerentes à função de gestão, como criar, inovar e compor interesses legítimos.

Precisamos acompanhar os reflexos da Nova Lei na administração pública em geral e tentar medir seu impacto (oxalá positivo) na segurança jurídica aos gestores, em particular. Essa função precisa ser revalorizada, o que significa pensar a gestão de pessoas e a relação entre as atribuições executiva e de controle.

Por ora, o eco diz respeito apenas aos seus impactos em relação aos agentes políticos que têm ações em andamento e o possível reconhecimento de sua prescrição em razão da nova regra. Algo, aliás, que o texto da Nova Lei aprovado pelo Congresso Nacional poderia ter evitado, mas não o fez. 

*Vera Monteiro, professora da FGV Direito SP. Mestre em direito pela PUC-SP. Doutora em direito pela USP. Lemann Fellow na Blavatnik School of Government (Oxford). Integrante do Movimento Pessoas à Frente